sábado, 27 de junho de 2009

Sonha violeiro...

Re/desconstruindo o discurso

Atibaia

Atibaia
Nesta terra abençoada, cuja pureza das águas emprestou-lhe o nome, foi plantada minha semente. Cresci em meio aos seus encantos. Desbravei seus quintais, colhi seus frutos e descobri o verdadeiro sentido da liberdade.
Minha cidade é rica em diversidade de cores e aromas, cercada por matas e rios, fontes e frutos. Nos seus caminhos ainda resistem os tons ocres e sienas reveladores de tesouros bem guardados: Manacás e Ipês tingem a mata como composição de um cenário impressionista.
Como moldura, ao fundo, ergue-se a imponente Pedra Grande, guardiã da Serra do Itapetinga, e lá do alto, quando próximos ao Criador podemos dimensionar quão pequenos somos diante de suas belezas naturais.
A cada estação do ano, a jovem senhora se apresenta com um traje novo, o mais belo de todos é certamente o outono, período em que borda seu manto azul, com lantejoulas estelares, preparando o céu para receber a lua cheia.
Quero prestar minha homenagem. Mas desta vez não vou recorrer aos poetas para inspirar-me, tampouco, aos personagens, que de alguma maneira já o fizeram. Penso que mais legitimo seja declarar sua importância em minha vida, por meio das lembranças e de passagens que construíram parte essencial da minha identidade.
Nasci em Atibaia, e como tantas outras crianças, tive o privilégio de passar a infância brincando livre nas ruas do centro.
Num tempo em que todos se conheciam, nos fins de tarde as famílias se sentavam em cadeiras em frente às casas e conversavam até noite alta - televisão era um luxo para poucos!
O domingo era especial. Tinha a retreta na Praça do Mercado. Meu pai tocava na Corporação 24 de Outubro e minha mãe vestia-me com o melhor vestido, meias brancas, laço no cabelo e sapatos de verniz para vê-lo tocar. Foi nessa época, ainda menina, que tive o primeiro contato com as obras de Sebastião Flórido, Pedro Cerbino e tantos outros compositores atibaienses e atibaianos que despertaram em mim o gosto pela musica. Marchas, dobrados e valsas, assim a banda permanece em meu coração - como um dia de festa.

Morei durante anos numa casa próxima a Companhia Têxtil Brasileira, a antiga fabrica, onde costumava me debruçar sobre as grandes janelas para expiar os trabalhadores tecerem: o aroma dos fios era doce, guardo na memória olfativa até hoje.
Impregnado também está o cheiro forte de umidade que exalava dos porões do Hotel Municipal, onde no meu imaginário morava uma bruxa. É claro que a curiosidade era maior que o medo, e o desafio era parar defronte e tentar vê-la, o susto ficava por conta do hóspede clandestino, o gato.
As aventuras de menina muitas vezes se resumiam ao entorno do centro. Desbravei seus quarteirões - como era distante uma rua da outra. Aos olhos de uma criança tudo parece maior. Vez ou outra, meu irmão e eu arriscávamos um piquenique na Estância Lynce – praticamente uma viagem! Não existiam muitas construções do centro até o bairro. Descíamos pelo morrão de terra batida, era mais seguro, os mais velhos diziam que nas proximidades do Parque das Águas, atualmente a Lucas, morava o tarado Tarzan, passávamos por detrás da Escola do Major, e logo avistávamos o Piqueri: córrego de águas transparentes, dava pra beber, e logo chegávamos ao hotel onde passávamos o dia, brincando no parquinho e pescando no lago.
Em minha memória também está nítido o cenário do Mercado Municipal, além de muito movimentado por pessoas, entre trabalhadores e fazendeiros tinha um bebedouro. Ali, enquanto os cavalos bebiam água e descansavam, os donos faziam a compra do mês nos armazéns.
Na Praça do José Alvim, no horário da saída escolar, sempre estava o vendedor de biju. Ele tinha um braço só, e me admirava que conseguisse carregar o enorme tambor e vender, ao mesmo tempo em que carregava um radinho de pilha, todo remendado, mas funcionava! Havia outras delicias como a raspadinha, o quebra queixo, algodão doce...e o doce de abóbora em forma de coração comprado na caderneta na vendinha próxima a minha casa!
Mais tarde em minha vida vieram os desfiles cívicos, aguardados com ansiedade. Naquele tempo o José Alvim preparava grandes carros alegóricos e desfilávamos orgulhosos pelo centro. Lá estava eu, de fada, de flor e até de gata borralheira...
A partir daí, a vida reservou-me novas descobertas e experiências, contudo, minha relação com Atibaia sempre se manteve fortemente ligada - origem e sentimentos atávicos entremeiam nossa historia.
Mesmo que hoje, alguns bens arquitetônicos, tão presentes em minhas lembranças tenham sido destruídos, como bem apontou o medico e escritor Carlos Pessoa Rosa: “o Hotel Municipal é um belo desenho na parede” ou ainda “quem dera que a chaminé (da têxtil) transformada em centro cultural respirasse modernidade”, fica registrado meu amor e orgulho por ser filha desta terra. (M.A)